Nos disse Millôr: "As pessoas morrem quando você as apaga da sua memória". Ele ficará para sempre conosco, através de suas preciosas obras.
O Brasil perdeu, na última terça-feira, uma de suas vozes mais críticas e independentes. O brilhante, multitalentoso e bem humorado Millôr Fernandes nos deixou aos 88 anos. Fica sua extensa obra de escritor, artista plástico, cartunista, jornalista e homem antenado com o seu tempo. Seu humor inteligentíssimo nos fazia rir ao mesmo tempo em que denunciava as mais variadas falácias.
Fica a lição do "guru do Méier"de que é preciso sempre olhar para a realidade sob uma perspectiva crítica.
Quem dera tivéssemos todos essa mesma perspicácia. O estilo debochado de Millôr desnudava os políticos de sorrisos congelados e intenções inconfessáveis. Vai fazer muita falta, principalmente em ano de eleição, quando promessas vazias são potencializadas pelo marketing frio e calculado.
Cada vez mais os que se acham espertos usam os mesmos truques já tão conhecidos, como se a sociedade cumprisse apenas um papel secundário de plateia. Pior em um espetáculo em que os mágicos se contentam com truques amadores, os malabaristas nem ligam se muitos dos seus pratos se espatifam no chão e a maquiagem dos artistas se mostra borrada, revelando sua face nada engraçada.
É mais ou menos o que se vê agora no Congresso Nacional. Um projeto que acaba com a proteção das florestas do Brasil é apresentado como o "novo" Código Florestal
Para diminuir os constrangimentos, falou-se em deixar a votação para depois, mas a sanha voraz da motosserra estabelece prazos e exigências.
O governo acata, afinal a governabilidade hoje se sustenta não em ideias ou projetos para o país mas em interesses de partidos que, em grande parte, já se apresentam sem máscaras. Entretanto, como bem escreveu Millôr, certa vez, entre suas muitas frases brilhantemente sarcásticas, "tome nota, amigo, as aparências não enganam."
Millôr, além de tudo o que criou, e criou de tudo, criou também um engano involuntário. A propósito dele mesmo, mas não o engano do nome. Milton de verdade, na certidão e por desejo paternal, Millôr por um escrivão que cismou ser o t um segundo l e o traço do t um circunflexo no o : "É Millôr"! Miltinho até os 17 ou 18, Millôr para sempre.
O outro engano recaiu sobre nós. Ele acompanhou desde a 1ª página do "Pif-Paf" no longínquo "O Cruzeiro"e agora se mostra com toda a intensidade, nos jornais, nas TVs, nas conversas sobre o humorista Millôr. Mas desengane-se: Millôr não era humorista.
Ele foi um pensador. Brilhante e fertilíssimo pensador. Ilimitado nos temas e incessante no seu exercício de pensador.
Cada sentença e cada texto, cada pintura e cada peça, cada conversa dele conteve, sempre, um significado ético, ou humanístico, ou crítico. E no final, ali estava a razão de ser do escrito, do desenhado, do dito. E nada constuído: nascido, simplesmente.
(Folha de São Paulo)
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