quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Ano Novo, Vida Nova



RECEITA DE ANO NOVO

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)


Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.


Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.


Carlos Drummond de Andrade




 

Voa alto em 2020,voa o mais alto que puderes!Confia na tua capacidade de superar obstáculos e de alcançar todos os teus objetivos. UM ANO DE POSSIBILIDADES E CONQUISTAS!





   


FELIZ ANO NOVO

          Feliz ano-novo para os que tiveram perdas no ano velho e, ainda assim, recolhem pedras em suas aljavas. Para os colecionadores de afetos que jamais permitem que suas lagartas se transformem em borboletas. Para os cínicos repletos de palavras sem raízes no coração.
          Feliz ano-novo para as bordadeiras de emoções, que gastam a vida desfiando intrigas e agulhando a boa fama alheia. Para os céticos desprovidos de horizontes e para os que se debruçam sobre a própria solidão para contemplar abismos. Para os ressuscitadores de desgraças, para os que se escondem em seus sapatos e para os idólatras que cultuam os poderosos.
          Feliz ano-novo para os que asfixiam a criança dentro de si e para os que se fantasiam de palhaço para camuflar tristezas. Para os que gastam a vida contando dinheiro, sempre em débito com o amor. Para os que acumulam bens e desperdiçam virtudes, ajuntam poder e semeiam mágoas, galgam a fama e pisam em sentimentos.
          Feliz ano-novo para os sonegadores de esperanças e para os que creem apenas nos valores da bolsa. Para os mancos de bondade, cegos de utopias, ébrios de ambições e medrosos perante a ousadia de viver. Para os que têm asas e não sabem voar, são águias e ciscam como galinhas, guardam em si um tigre e miam como gatos.
         Feliz ano-novo para os que se agasalham com gelos e jamais dão ouvidos à sabedoria do fogo. Para os que alugam a própria dignidade e se revestem da ideologia do consenso. Para os que escondem montanhas debaixo da cama, congelam estrela estrelas no bolso e torcem o arco-íris até sangrar.
         Feliz ano-novo para os que exibem no pedestal de sua mente o próprio corpo, jejuam por razões estéticas e mendigam aos olhos alheios a moeda falsa da admiração convencional. Para os que ficam inebriados diante da paisagem televisiva e como Carolina*, veem o mundo passar na janela eletrônica. Para os que proferem palavras furtivas, segregam mentiras, sonham com elefantes de papel e tentam fugir da própria sombra.

         Feliz ano-novo para os voluntários da servidão, para os que amam amar amores e desamores alheios e nunca experimentam e êxtase de uma paixão inefável. Para os crentes desprovidos de fé, para os políticos vazios de senso cívico, para os democratas que exaltam medidas autoritárias.
         Feliz ano-novo para os que fazem de seus dias tijolos de catedrais escuras, navegam em um pingo de água e jamais perdem tempo com uma criança. Para os que cimentam árvores, fazem pontarias em orquídeas e pintam o verde de marrom. Para os que jamais escutam o silêncio, vociferam palavras sem nexo e tratam seus semelhantes como os motoristas reclamam dos buracos da estrada.
         Feliz ano-novo para os que cercam suas almas com arame farpado, abrem com foices seus caminhos na vida e, ainda assim, não sabem que rumo tomar. Para os que traçam labirintos em seus mapas imaginários, enfeitam a vida com buquês de impropérios e rasgam o ventre da água com os seixos adormecidos no leito de seus pesadelos.
         Feliz ano-novo para os que cavalgam em hipocampos grávidos de dinamites, multiplicam teorias para subtrair a prática e escondem a alegria no fundo da gaveta.
         Feliz ano-novo para os que se julgam imortais, incensam a própria imagem e tocam címbalos para os cifrões que lhes servem de prisão E para os que estão terminantemente proibidos de tomar, nas mão vazias de dinheiro, um prato de comida.
         Feliz ano-novo para todos os infelizes que fazem de sua vida luas minguantes e se vestem com escafandro de seus temores, afogados no sal de um oceano ressecado.
Novos sejam para eles o ano, a vida e o espírito, revertidos e revestidos de ensolaradas esperanças.

                                                                                                                                 Frei Betto